Por um Programa Nacional de Vacinação que abranja todas as fases da vida
O ano de 1965 é um marco histórico para a Medicina portuguesa. Nesse ano, a 4 de outubro, foi implementado o Programa Nacional de Vacinação (PNV), universal e gratuito, focalizado nas crianças, com o objetivo de diminuir a mortalidade infantil, então extremamente elevadaquando comparada com a de outros países europeus; nesse programa, sucessivamente atualizado, foram sendo imunizadas as nossas crianças contra as mais temíveis doenças infecciosas de então: poliomielite, difteria, tétano, tosse convulsa, meningite e tuberculose, entre outras.
O sucesso do PNV ? com uma acentuada diminuição da morbilidade e da mortalidade das referidas doenças infecciosas - e a adesão dos pais a esta forma de medicina preventiva, tornou este programa uma referência internacional, um exemplo a seguir.
Porém, nos últimos 59 anos muitas coisas se passaram no âmbito da Saúde: novos conhecimentos médicos, novas tecnologias que permitiram à indústria farmacêutica criar outras vacinas mais eficazes e seguras, novas realidades infecciosas (aconteceram quatro novas pandemias!) e novas realidades demográficas que determinaram a necessidade de vacinação de novos grupos de pessoas. Um deles é o das pessoas com idade superior a 60 anos.
O conceito é simples: nessas pessoas, cada vez mais representadas nas nossas sociedades, os diversos tipos de imunidade enfraquecem ? com um particular realce para a imunidade anti-infeciosa - tornando as infeções mais frequentes, mais graves e mais mortíferas. As infeções - sobretudo as respiratórias - são uma importante causa de morbilidade e de mortalidade entre os mais velhos.
Estamos a falar de infeções provocadas por bactérias, como os pneumococos, a principal bactéria causadora de pneumonias (a quarta causa de mortalidade da humanidade), e tantas vezes responsável por infeções disseminadas, e vírus, como os da gripe, da COVID e o vírus sincicial respiratório, que nos países desenvolvidos é responsável, anualmente, por mais de 3 milhões de casos infecciosos agudos que obrigam a 270.000 internamentos e provocam 20.000 óbitos; o seu impacto é ainda maior nos países pobres, onde todos os anos causa mais de 100.000 óbitos de crianças com idade inferior a 5 anos. São contra estas infeções que os nossos idosos devem ser protegidos e a melhor forma de o fazer é através da vacinação.
As vacinas da gripe e da COVID já estão incluídas no Programa de vacinação, são administradas gratuitamente nos Centros de Saúde e, mais recentemente, também, na rede nacional de farmácias,com um enorme sucesso. O que falta? Falta, sobretudo, a inclusão gratuita das outras duas vacinas respiratórias: as vacinas antipneumocócica e contra o vírus sincicial respiratório.
A um nível diferente, por proteger contra uma doença de menor gravidade, realça-se a vacina contra o vírus varicela-zóster, responsável por uma doença geralmente muito incomodativa ? a zona ? e que atualmente é recomendada para pessoas com mais de sessenta anos pelas principais agências de saúde.
A maioria dos nossos idosos não têm disponibilidade financeira para adquirir estas vacinas, significativamente caras. Por isso, não as fazem. A inclusão no PNV destas vacinas na população acima dos 60 anos, gratuitamente, não só lhes traria mais saúde, como permitiria significativos ganhos em saúde.
Com o programa de vacinação já aplicado às nossas crianças, que até aos dez anos são imunizadas contra 14 diferentes microrganismos; com a vacinação das grávidas que já são vacinadas contra o tétano a difteria e a tosse convulsa em cada gravidez, e com a vacinação dos adultos contra o tétano e a difteria, a inclusão destas vacinas tornaria o programa vacinal mais coerente, mais adaptado à nova realidade demográfica e mais eficaz.
O facto de se propor a gratuitidade, não deve ser encarado como um custo acrescido, mas como um investimento. Como diversos estudos de farmacoeconomia têm demonstrado, cada dólar gasto em vacinas gera um retorno de 7 a 11. De facto, por cada infeção que é evitada, evitam-se custos com o absentismo (pessoal e familiar), fármacos, exames complementares de diagnóstico, episódios de urgência hospitalar, internamentos em enfermaria e, quantas vezes, em cuidados intensivos.
A seguir à onda de vacinação das crianças - com o seu enorme sucesso - estamos em plena onda de vacinação dos idosos. Pugnamos, pois, por um PNV universal e gratuito que abranja todos os grupos de risco e, consequentemente, entre eles, as pessoas com mais de sessenta anos, com as vacinas adequadas à sua proteção.
Jaime Pina
Pneumologista. Chefe de Serviço Hospitalar
Fundação Portuguesa do Pulmão